Lições do outono

"O inverno pode destruir as folhas, mas não a determinação de uma árvore"

Esta é uma das lições mais importantes que aprendi, aqui na Itália. Em quatro meses tentando sobreviver em outro país, ao lado do meu marido e da nossa filha de três anos, já passamos por muita coisa.

Passamos por tudo juntos e isso faz toda a diferença.

Os italianos nos acolheram como poucos amigos o fizeram, no Brasil, isso é verdade. Preocuparam-se conosco e nos estenderam mais do que a mão. Procuraram moradia, nos apresentaram a seus amigos e nos mostraram os caminhos.

Mas parece que quando não é a hora, não adianta que não vai. E não foi.

Não encontrávamos emprego. Cada euro tornou-se sagrado. A bolsinha de moedas, a nossa salvação. Latte macchiatto, no café preferido? Raras as vezes. Só uma pizza, muito de vez em quando.

A burocracia na Itália irrita. Quando se pensa que está com todos os documentos, "esqueceram" de lhe dizer que ainda falta aquela lista ali atrás para providenciar. E quando você consegue tudo, precisa carimbar, legalizar, reconhecer, jurar por todos os deuses que é verdade. Mas isso, só às quintas-feiras, depois das duas da tarde e com hora marcada!

Se for em agosto, esquece. A Itália pára em agosto. Pára MESMO! Férias coletivas. E tudo o que você correu para providenciar? Fica parado também. Até o ar pára, em agosto. Um calor infernal, sem nenhum sopro de vento nem de esperança.

Para alugar uma casa, você tem que ter contrato de trabalho e MUITOS documentos. E, para ter estes documentos, você precisa ter residência fixa.

É ou não é a maior piada dos últimos tempos?

Essa é a Itália!

Para comprar um carro, um carrinho - uma carroça! - tem que ter residência fixa, carteira de identidade, CPF italiano, pagar seguro obrigatório e fazer a transferência para o seu nome NA HORA (o que custa, muitas vezes, mais do que o carro). Caso contrário, não sai com o carro da garagem do aposentado, dono do Fiesta 1993 que vai salvar a sua vida! Mesmo que seja sem direção hidráulica, com um dos vidros que não abre, sem som, ar condicionado ou qualquer acessório de luxo, tenha cheiro de esterco, sujo de terra e com um ursinho verde pendurado com o nome "Polizia Municipale" marcado no peito.

O que importa é que você NUNCA MAIS vai precisar ficar na chuva esperando o ônibus passar (a cada quatro horas, no nosso caso, que moramos onde o vento não sabe para onde ir, de tão deserto que é).

Em uma tarde chuvosa, eu falei para o meu marido "acho que é neste momento que as pessoas desistem e voltam para o Brasil reclamando da Itália."

Continuei olhando a chuva escorrer pela janela e completei.

"Só que nós não vamos desistir e nem podemos! Vamos passar por isso e dar um jeito, como sempre."

A chuva passou. A pior fase também.

Apesar de tudo, a Itália representa para nós, hoje, um futuro que não vimos no Brasil. Claro que são muitas idas e vindas aos cartórios, à prefeitura, à polícia, aos cartórios de novo e assim por diante. Mas, mesmo assim, cada dia que conquistamos um "número", um código, um documento, passamos a ter direito a coisas que, no Brasil, seriam impossíveis.

Saúde de qualidade sem pagar plano de saúde. Escola de qualidade sem pagar mensalidade.
Transporte público limpo, seguro e para todos (se você mora onde o vento se perde, ele pode demorar um pouquinho!).

A Itália é um Brasil melhorado, eu tenho esta consciência. Mas põe melhorado nisso...

Por isso, aprendo com as árvores a ter paciência e determinação para agüentar até o inverno passar. Mesmo que ele dure quase seis meses!

O bom da vida é o desafio. É superar os limites, é renascer a cada nevasca. É saber que amanhã você pode conquistar mais alguma coisa.

E tem tanto para ser conquistado...

Comentários

Dila M.P. disse…
Quando estive na Espanha, num inverno, uma das coisas que admirei foram as árvores e a sua beleza exótica, sem o verde. Talvez, como vc mesma disse, pela "força" representada, pela demonstração de que, apesar de todo o frio, e toda a ausência do verde, elas permanecem firmes e se destacam.
Com certeza é na adversidade que nos destacamos mais, e eu tenho certeza que, vcs passarão pelo "inverno" italiano de forma admirável.
Buona Fortuna a voi !